19 agosto, 2013

Pacific Rim (Guillermo Del Toro, 2013)

É impressionante como Guillermo Del Toro é capaz de construir realidades ficcionais críveis a partir do material mais inverossímil possível. Isso fica claramente perceptível no filme de monstros gigantes que ele realizou esse ano, inspirado nos filmes japoneses do gênero kaiju eiga, como Godzilla (Ishiro Honda, 1954). Todo o seu trabalho se estrutura de modo com que aquela realidade possa existir por si só, mesmo sendo completamente impossível a olhos humanos. Até mesmo filmes recentes muito bem-sucedidos dentro desse mesmo filão como O Hospedeiro (Bong Joon-Ho, 2006) e Cloverfield (Matt Reeves, 2008), que são até melhores filmes, não conseguem construir um ambiente tão bem articulado como aqui.
Del Toro trabalha sempre numa chave onde o humano é muito pouco valorizado em detrimento do universo fantástico o qual o diretor é capaz de construir e em Pacific Rim isso nunca foi levado tão a sério. Todo o material humano do filme existe apenas como um modo de tornar palpável aquela realidade. É como se os humanos e todo o psicologismo envolvendo seus traumas, medos etc. fossem instrumentos possíveis à realização da ficcão, tal qual os pilotos são necessários a locomoção dos robôs. Isso é facilmente percebido quando se vê que todas as situações envolvendo os personagens humanos ou são vividas dentro dos robôs ou no seu quartel-general, afora a presença do ator-fetiche do diretor, Ron Perlman, que funciona como alívio cômico numa Hong Kong futurista, e as suas lembranças/traumas são exibidas em flashbacks emergidos pela ligação psíquica homem-máquina, ou seja, elas funcionam como obstáculos a realização da ação. Toda a fragilidade humana é vista como impeditivo ao cerne da narrativa, que na sua essência, resume-se ao embate entre máquinas e monstros, mas, em contrapartida é essa fragilidade que dá corpo a todo o seu universo.
Deve-se observar também que o universo criado por Del Toro está muito mais próximo de um Tsui Hark, pela preocupação minimalista com todos os seus detalhes, do que com a grosseria habitual de um Michael Bay, por exemplo. A comparação com Bay pode ser levantada por se tratar de uma temática muito próxima da sua trilogia dos Transformers (2007-2011), porém Bay é um cineasta que parece ter aversão ao humano, diferentemente de Del Toro, que parece não entendê-los. Bay retira toda a humanidade de seu universo diegético, até mesmo de seus atores, que funcionam como se tivessem sido pré-programados a executar determinadas ações, enquanto Del Toro utiliza seus atores para garantir humanidade a seus personagens fantásticos, como os monstros kaijus.
Tratar do ser humano sempre muito difícil para Del Toro, muito mais pela incompreensão do que pelo simples asco, da mesma forma que se pode compreender que o personagem mais humano de toda a sua obra é um demônio (Hellboy), que não é capaz de entender a sua existência, se questiona quanto a isso e constrói sua redenção por amor ao homem que o criou e luta com seus poderes "malignos" pelo crê ser certo, da forma mais grosseira, hedonista e individualista possível, ou seja, bem humana.
Mesmo nos filmes mais sérios de sua carreira, feitos fora de indústria de Hollywood e falados em língua espanhola, como A Espinha do Diabo (2001) e O Labirinto do Fauno (2006), ele necessita utilizar do metafísico para tratar do ser humano. Todos os seus protagonistas ou são seres mitológicos (vampiros, demônios) ou são pessoas que se inserem em uma realidade onde o fantástico é tratado como corriqueiro, como com os kaijus de Pacific Rim. Não há, para Guillermo Del Toro, mundo possível habitado somente por seres humanos.

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