09 março, 2011

Os Mercenários (Sylvester Stallone, 2010)

Ver um filme do Stallone para mim corresponde a um espetáculo catártico sem igual. Catarse no sentido de que a identificação gerada por um personagem do Stallone é dada justamente pela possibilidade de fazer tudo o que não podemos, por incapacidade física ou moral, e atribuir a cada ação uma grandiosidade heroica. Cada personagem construído por esse ator ao longo dos anos 70 e 80 entrou no imaginário cinematográfico como um mito, Rocky, Rambo, Cobra, Falcão. Junto com os outros action heroes da epóca, ele deu início a um segmento do cinema comercial, os filmes de porrada, em que brutamontes como ele passavam o filme distribuindo socos e tiros em bandidos em busca de um entretenimento fugaz. E é como uma homenagem a esses antigos filmes de porrada que Stallone fez esse Os Mercenários. E sua ideia não tinha como ser melhor.
Através de um fiapo de trama: grupo de mercenários é contratado para matar um ditador de uma ilha na América do Sul associado a um ex-agente da CIA que transformou o país num grande produtor de cocaína, Stallone fica livre para realizar na direção o filme de ação mais oitentista possível. Que nem nos velhos tempos.
Deixo claro que Os Mercenários não é um filme de ação como os feitos hoje: montagem aceleradíssima, CGI, grande duração, mas sim um filme de ação anacrônico. Filme de ação, não. Filme de porrada. Pois se existe algo em que Stallone se preocupa em filmar aqui são corpos deformados se degladiando e sendo destruídos a todo instante.
Dessa forma, Stallone reúne o elenco mais casca-grossa que um filme poderia ter para se contar uma história dessas. A dupla formada por Stallone e Jason Statham funciona perfeitamente bem, como se fosse um encontro do cinema de ação do passado com o do presente, um brutamontes enferrujado com um bonitão que mete a porrada. Statham se firma facilmente como o grande astro de ação dessa década. Outros dois que estão muito bem no filme são Mickey Rourke e Dolph Lundgren, o primeiro protagoniza um monológo no meio do filme emocionante, onde relata sua perda de humanidade provocada pela guerra e o segundo está super descaracterizado no papel de um matador descontrolado e psicótico que trai o personagem de Stallone. Todos os outros mercenários, Jet Li, Randy Couture e Terry Crews estão excelentes e fazem o que tem que fazer, descem a porrada o filme inteiro. O vilão de Eric Roberts também é bem interessante.
Importante destacar a forma como Stallone filma os corpos, sempre em close, escancarando todas as suas deformidades, cicatrizes, tatuagens e imperfeições, à exceção do galã de Statham. O humor do filme é muito inteligente, sarcástico o tempo todo. Parece sempre que Stallone está fazendo uma paródia do cinema dos anos 1980, onde ele tira sarro principalmente dele próprio. Antológica a cena da reunião dos três grandes action heroes do passado. Aqueles diálogos cheio de sarcasmo e metalinguagem são geniais. Pode não parecer, mas Os Mercenários é um filme muito inteligente. Espetacular.

A Rede Social (David Fincher, 2010)

Partindo de um material que me parecia muito pouco interessante: a criação do Facebook por um jovem universitário americano, Mark Zuckerberg, e o seu enriquecimento por causa dessa invenção. É impressionante a fluidez narrativa que David Fincher obtém aqui. Ele conduz seu filme por toda uma estrutura estranhíssima, que funciona perfeitamente. O filme conta sua história através de flashbacks contados nas sessões judiciais de dois processos a que Mark responde, a um dos gêmeos Winklevoss, que o acusam de plágio da idéia original da criação do site, e a outro de seu ex-melhor amigo, o brasileiro Eduardo Saverin.
O filme apóia toda sua força num elenco muito bom, composto por nomes não-celebrados, excetuando Justin Timberlake, que está impagável na pele do criador do Napster, que dão mais verdade ao filme, pois retratam bem um universo não muito distante do qual os jovens vivem hoje e constroem personagens de carne e osso. Jesse Eisenberg é um ator fora-de-série que já precisava ser descoberto há muito tempo e somente todo o seu gestual corporal e a fluência de sua fala já são fascinantes, e quando utilizados em algum personagem próximo de sua realidade funcionam de uma maneira impressionante. Ele consegue passar a Mark toda a prepotência de um jovem que fica bilionário aos 20 anos e toda a fragilidade de um nerd que começou isso tudo por causa de um pé-na-bunda de uma menina. A cena final em que ele a adiciona no portal em que ele mesmo criou é uma pérola. Andrew Garfield, o novo Homem-Aranha, me surpreendeu muito positivamente e constrói um personagem bem interessante que não consegue lidar com a namorada ciumenta e com o amigo irresponsável e altamente influenciável, que o acaba traindo.
David Fincher dessa vez não abusa de suas montagens confusas e joguetes de roteiro. Constrói um filme excessivamente simples onde tudo é narrado da maneira mais clara possível e todo o caminho percorrido leva o protagonista a um lugar em que já sabemos que ele está desde o início. Sem firulas visuais. A cena da corrida de barcos a remo é muita boa e tem muitos dos tiques de Fincher na direção, mesmo que ele pouco os utilize aqui. Um filme muito mais próximo de Zodíaco (2007) do que de Clube da Luta (1999). Fincher, mesmo não sendo um diretor fabuloso, continua num caminho bem interessente e quando concentra toda sua mise en scène em simplesmente contar uma história, mesmo que não se encontre uma solução, funciona bem mais do que construir joguinhos narrativos espertinhos. Melhor filme do diretor.