16 julho, 2012

E Aí... Comeu? (Felipe Joffily, 2012)

Há muito tempo o cinema brasileiro procura encontrar uma fórmula para que seu público identifique nele algo a que já estão acostumados, depois de anos de dominação do cinema norte-americano. E o gênero responsável por criar esse chamariz para o público é a chamada comédia besteirol. Desde "Se Eu Fosse Você" que as produtoras vem tentando atingir seu público por esse viés. Ao que parece, e como demostram as bilheterias, elas conseguiram. Mas não do ponto de vista artístico. Nenhum desse filmes, incluindo aí a péssima incursão anterior de Bruno Mazzeo no cinema “Cilada.com”, atingiu realmente um olhar que retratasse seu público, mas simplesmente um conjunto de piadas que só funcionariam individualmente e que no contexto cinematográfico não se comportam de maneira satisfatória, além de serem dirigidas da maneira mais televisiva possível, como se fossem um especial de fim de ano da Globo.
Eis que surge no cenário atual o fantástico “E aí... comeu?”, que pode não ser um grande filme, mas é um dos filmes brasileiros mais engraçados que eu já vi na vida e o que mais se assemelha as comédias americanas atuais que destacam a amizade entre homens, os “bromances”, principalmente as do grande Judd Apatow, de ‘Ligeiramente Grávidos” e “Virgem de 40 anos”. 
Somos apresentados a três homens na faixa dos 40 anos em um bar, todos de alguma maneira mal resolvidos amorosamente, um recém-separado, um casado que mal convive com a esposa e outro que nunca teve um relacionamento sério e só se apaixona por prostitutas. Todos se encontram em um bar para discutir os problemas das suas vidas, uma mulher que abandonou um, uma esposa que parece ser infiel e um final de livro que nunca parece estar perfeito. E por trás de personagens que em um primeiro momento parecem apenas desempenhar um ponto de vista machista do mundo, pode se compreender realmente como do escracho pode surgir poesia, como na cena da reconciliação do casal por exemplo. O personagem de Marcos Palmeira, que funciona como uma espécie de menestrel no filme, conduzindo toda a trama, desde a apresentação ao plano-sequência final, é impagável. Tem tiradas fantásticas e está bem como há muito tempo não o via em um filme. Em uma das primeiras cenas, em que um personagem menciona algo sobre “vagina” e um outro finge não compreender o que ele está dizendo, o seu personagem categoricamente fala algo do tipo: “Vamos ser claros, vagina não, bu****”. Nesse momento, é como se ele virasse para o público e falasse: “Acabou a palhaçada, agora vamos falar o que realmente acontece”. Em outros momentos do filme, como quando a personagem ruiva do bar, que funciona como um porta-voz do público feminino, fala que as mulheres da mesa ao lado estão se sentindo incomodadas com o linguajar que está sendo usado pelos homens em sua mesa, ele solta um emblemático “f***-se”, que funciona da mesma forma para os espectadores, dizendo que eles irão continuar agindo da forma que estão agindo, não se importando com quem está incomodado ou não na cadeira do cinema. Bruno Mazzeo pela primeira vez age como um ator de verdade, muito distante daquele personagem todo armado de tiradas irônicas inteligentes o tempo todo da televisão e tem um monólogo excepcionalmente engraçado sobre o “poder da criolada”.
Mas o grande diferencial do filme é o fato de ele ser bem dirigido. Todas essas comédias feitas atualmente contam um diretor oriundo dos meios televisivos e que em nada se preocupa em transmitir um pouco de ousadia formal ao filme. As cenas em que os personagens juntos adentram os recintos em câmera lenta são muito bem ensaiadas e o plano-sequência que encerra o filme com um casamento é fenomenal. Isso somente ocorre pelo talento de Felipe Joffily, que faz aqui um filme muito parecido tematicamente com a sua estréia cinematográfica “Ódique?”, um filme muito bom sobre um grupo de pitboys que não teve visibilidade nenhuma e que da mesma forma trata sobre o universo masculino.
Outro diferencial são as participações especiais do filme que são antológicas e funcionam muito bem dentro da estrutura dele e não como um show de esquetes individuais como nos filmes anteriores. Seu Jorge e Murilo Benício compõem tipos magníficos e engraçadíssimos que dão um show à parte e Dira Paes dá uma carga dramática a sua personagem sem cair no clichê desse tipo de filme. Fora Katiuscia Canoro que brilha sozinha em uma cena sensacional, muito diferente do que esta acostumada a fazer na televisão.
Como já dito anteriormente, “E aí... comeu?” pode não ser uma pérola, mas resgata algo de muito bom que sempre houve no cinema brasileiro e que se perdeu graças a essa busca da igualdade com a produção americana, que é a ousadia e a alegria de se fazer um filme. Em muitos momentos, o filme lembra muito o clássico “Bar Esperança” de Hugo Carvana, em que toda a dramaturgia é trazida para dentro do bar, pois se percebermos as ações se dão fora do bar, mas elas só possuem matéria cinematográfica para o filme quando são relatadas dentro desse ambiente. Por isso do casamento final ser trazido para dentro do bar. Mesmo o final, que parece ser redentor, impondo uma ideia de que sem as mulheres os homens são incapazes de serem felizes, faz com as mesmas façam parte com eles desse universo tão caro ao filme. Como diz o cartaz do filme: “A primeira comédia verdadeira sobre amor”, tudo que o filme fala, desde o inicio ao fim, é sobre o amor, não o amor romântico a que estamos acostumados nas comédias românticas, mas sim o amor à vida, aos amigos, ao bar e, principalmente, às mulheres. Em todas as suas formas e tipos.